Sound of Metal é um nome mais interessante que sua tradução brasileira, O Som do Silêncio. É um filme que conta a história de Ruben (Riz Ahmed, em uma performance brilhante), um baterista de heavy metal que perde a audição, e seu processo de aceitação da nova condição e das mudanças que esta requer. Mas mais que isso, o longa de Darius Marder fala sobre propósito e aceitação da vida.
No primeiro momento, Ruben é uma pessoa intensa, "barulhenta", mas um tanto quanto solitária. Ele vive num trailer com sua namorada, Lou (Olivia Cooke), e os dois vivem em constante movimento. Até que algo inesperado acontece e ele perde o propósito de sua vida. A partir do momento em que acontece essa ruptura de mundo, ele precisa se adaptar a uma nova realidade, na qual é preciso ser mais sociável, para conviver em um abrigo com outras pessoas que têm a mesma deficiência, aprender uma língua nova (libras) e encontrar um novo propósito.
O filme separa muito bem os dois momentos, deixando clara a divisão através da fotografia e da edição de som. No início, percebemos sua melancolia e confusão na imagem escura e densa, com planos mais fechados, e um som muito alto e caótico - o filme abre com gritos e a bateria de Ruben. Quando Lou percebe que a vida que eles viviam não irá mais voltar, e que ele permanece no mesmo lugar, ela o força a enxergar isso. Nesse momento o filme traz planos mais abertos, com uma fotografia mais clara, e nos permite escutar sons abafados que o protagonista agora escuta. O trabalho de som do filme é extremamente eficiente nessa construção da realidade, com o espectador ouvindo exatamente o que Ruben escuta.
Um destaque de Sound of Metal é o elenco, que traz atores e atrizes mirins com deficiência auditiva (destaque para Lauren Ridloff, a professora, que estará em Os Eternos). E é na escola, junto às crianças, que Ruben precisa reaprender o sentido de sua vida. A figura de Joe (Paul Raci) é muito importante para esse processo - ele é uma pessoa muito aberta e bem resolvida, uma espécie de mentor para Ruben, que gradualmente vai se sentindo parte do grupo. Aqui a história poderia se acomodar na aceitação do protagonista quanto à sua condição, que conta inclusive com a "queda do herói" (a cirurgia), mas então vem a cena principal para compreender a real mensagem do filme.
Ruben - (...) Tá na hora, está bem? Estava na hora de fazer algo. Tá bom? Tentar salvar minha vida. Então, é o que estou fazendo. Ninguém mais vai salvar minha vida. Não é? Se eu ficar vendo o tempo passar, o que terei? Nada. Está bem? Essa merda toda? O que importa? Vai passar. Se eu desaparecer, quem liga? Ninguém liga, cara. Sério. E tudo bem. É a vida. É a vida. Não. É sério, está bem? Ela passa. A p*rra da vida passa.
Joe - Eu queria saber... todas as manhãs que passou naquele quarto sentado... você teve algum momento de... quietude? Porque você está certo. O mundo continua a girar e pode ser um lugar muito cruel. Mas para mim, esses momentos de quietude, esse lugar, esse é o Reino de Deus. E esse lugar nunca vai abandonar você. Mas... vi que fez sua escolha, não é?
Nesse momento, o roteiro poderia ter cometido um erro fatal se condenasse o protagonista, ou a Joe, mas Marder acerta em cheio ao não julgá-los. Talvez ele não possa mais viver no abrigo, mas agora ele irá encarar sua vida. Mais um passo para a reconstrução de seu propósito. E é saindo dali que ele se dá conta que as pessoas seguiram em frente. Em uma das cenas mais lindas, Ruben reencontra Lou, que ainda está lá por ele mas... sua vida já é outra. É quando ele percebe que não há caminho de volta e, em um plano extremamente simbólico, o vemos levantar da cama de costas, com a câmera ressaltando sua tatuagem de palhaço (a mesma que Lou disse que ele iria tatuar as cinzas dela).
O filme termina com um momento de catarse emocional, um pouco semelhante ao plano final de Me Chame Pelo Seu Nome (dadas as temáticas diferentes), com Ruben escolhendo aceitar sua quietude - vale ressaltar que o som de seu aparelho auditivo é um tanto quanto metálico. Ele deixa para trás a vida que ele conhecia e encontra um novo propósito para sua vida.
Não precisa fazer nada nesse quarto. Só quero que fique lá... sentado. E quando não conseguir ficar sem fazer nada, pegue o papel e a caneta que vou dar pra você, e quero que você... escreva. Não importa o que vai escrever, se está escrito corretamente, ou se é só uma grande... bobagem. Não importa. Ninguém vai ler, está bem? Mas quero que fique escrevendo continuamente, sem parar, até que você sinta que pode... não fazer nada de novo. (...) E se, em algum momento no futuro, sentir que está difícil para você, pode vir falar comigo. Estarei no meu quarto, fazendo o mesmo que você, está bem, Ruben? Escrevendo também.
Texto por Lucas Noronha e Jéssica Marques
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