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Thunderbolts* salvou minha vida

Nunca achei que diria isso, mas obrigada, Marvel Studios.

Thunderbolts* (destaque para o asterisco, é essencial), bem resumidamente, traz figuras em segundo plano no grande espectro do MCU se unindo e formando uma equipe improvável, de anti-heróis e vigilantes com um passado conturbado e que, sem exceção, lidam com problemas familiares, pessoais e de saúde mental. Na verdade, é um filme sobre saúde mental, vindo da Marvel Studios. Coisa que nem no cenário mais otimista imaginaria, especialmente vindo após o horror que foi Capitão Falcão vs Harrison Ford Vermelho (desculpa, Sam Wilson, torço que você tenha um arco de redenção no futuro com filmes melhores). Dessa maneira, eu, muito mais alinhada ao DCU do James Gunn ultimamente, e cética com o trabalho da Disney com esse multiverso compartilhado, decido assistir à nova produção capitalista da Marvel Studios. E quem diria... mudou minha vida?

Crédito: Divulgação - The Walt Disney Company

(Alerta de spoilers)

Entremos no filme. Como retrato de saúde mental, Thunderbolts* acerta em cheio, especialmente no arco da Yelena e do Bob. Mesmo que carismáticos e tão imperfeitos quanto, os demais membros da equipe não ganham tanto desenvolvimento quanto esses dois. Guardião Vermelho é a prova de que a Marvel, por vezes, é capaz de fazer alívios cômicos que não soam vazios e agregam algo à narrativa. John Walker ressurge direto do Disney+ com um carisma renovado, ainda que seria bom conhecer mais os seus dramas - nada que não possa ser explorado em filmes futuros. A Fantasma... está ali, o que não é algo ruim, visto que ela é uma boa personagem, mas visivelmente, entre todos membros da equipe, os seus poderes se destacam mais que seu arco narrativo. O bom e velho Bucky, agora congressista, parece uma figurinha carismática que já viveu todos arcos narrativos possíveis, e de certa maneira pode ajudar a "vender" o filme aos mais céticos - nada como um rosto veterano e popular entre os fãs. A vilã da vez, Valentina Sobrenome Gigante, desenvolvida via fragmentos de filmes e séries, funciona bem o suficiente para manter a narrativa coesa e ser minimamente memorável. Então o fato é que, entre mais e menos desenvolvidos, o entorno de coadjuvantes funciona de modo geral, à sua maneira.

Aí entramos na Yelena, a protagonista da história. É aqui que o filme brilha. Antes uma coadjuvante carismática em uma das produções mais criticadas do estúdio da Fase 4 (e estrela de um dos piores momentos de CGI da história da Marvel), aqui ela recebe um tratamento incrível. Não é nem necessário assistir ao questionável Viúva Negra para entender e embarcar no arco de depressão da personagem. Pelo contrário. Entre todos personagens já existentes no universo Marvel, a Yelena é a que sai mais beneficiada, tendo ganhado uma popularidade avassaladora e, de uma hora para a outra, virado um dos rostos da nova Marvel nos cinemas. O que é ótimo, caso sigam a desenvolvendo tão bem quanto fizeram neste filme. Ela é uma personagem humana, com a qual podemos nos conectar. E se tem algo que a potencializa, é a relação com o personagem misterioso Bob.

Quem acompanha os quadrinhos (que não é o caso de quem vos fala) irá rapidamente reconhecer que Bob é o Sentinela, um "super-homem" instável emocionalmente que possui um lado destruidor chamado Vazio. Como conhecedora superficial de HQs, já conhecia o personagem, mas conhecia pouco, então o aspecto surpresa do Bob funcionou muito bem. Ele, aparentemente, é uma pessoa comum que está trancada junto desses anti-heróis, e a introdução do personagem é brilhante, tratando-o como um Bob qualquer, literalmente. A própria escolha de apelido. Bob é um apelido comum que nos aproxima ainda mais do personagem - todos nós conhecemos um Bob. Não um Sentinela, um Bob. Então, ao decorrer do filme, passamos a entrar na psique deste personagem tão intrigante, que consegue inclusive ultrapassar os poderes praticamente ilimitados do herói, que poderiam facilmente ser uma barreira no processo de humanização do personagem (o maior desafio de, por exemplo, humanizar personagens como o Superman ao meu ver). E aí vem o grande trunfo de Thunderbolts*. Não temos um diagnóstico claro dele, mas fica bem evidente que ele possui transtornos mentais.

Enquanto o filme não deixa claro qual o diagnóstico do Bob, nos quadrinhos, Robert Reynolds possui esquizofrenia e ansiedade. No filme, ele se assemelha a algo mais ligado a transtorno bipolar ou borderline - possivelmente bipolaridade. Aí está a genialidade da narrativa. Pegue personagens escanteados do seu universo, junte eles, e os ponha contra uma ameaça a qual definitivamente eles não podem vencer, para então trabalhar justamente o que os aproxima - dilemas de saúde mental. O clímax do filme se passa dentro do Vazio, o lado obscuro de Bob, que pode ser considerado uma representação do pico de depressão do personagem. Um contraponto ao Sentinela, que pode ser visto como uma metáfora talvez bem direta a um pico de mania. Então, de Sentinela a Vazio, Yelena decide ajudar o amigo, mesmo ela estando em um momento difícil de sua vida também. Sua entrada nas sombras é extremamente simbólica. Os demais, logo, entram.

O clímax de Thunderbolts* remete um tanto Hulk, do Ang Lee, só que com visuais aprimorados e iluminação melhor trabalhada - onde a ação ali presente representa muito mais do que uma cena de luta, e sim uma batalha psicológica intensa. O perigo não é externo, e sim interno, e humano. Bob não tem controle sob o Vazio. Se tivesse, ele não estaria agindo assim. Mas ele não tem. E Yelena, sua amiga, entende isso, pois ela já esteve nesse lugar, quando perdeu sua irmã e viveu - ainda vive - um luto e uma depressão. O Vazio pode ser devastador e destruir a tudo e a todos ao redor, especialmente o próprio Bob, como ele bem sabe, e não há nada que ele possa fazer. Como vencer uma ameaça dessas? Há quem não entenda ou ache a resolução do filme "boba", pelo Vazio ser vencido por um abraço, mas este é justamente o momento mais humano e genial do filme, e o momento que me fez chorar no cinema mais que qualquer um. Porque eu sei o que o Bob sentia naquele momento, e o quanto um abraço pode realmente ajudar.

Thunderbolts* surgiu na minha vida em um momento muito peculiar, no qual, após alguns anos de festanças, dificuldades financeiras e abuso de substâncias (em particular álcool e cigarro), cheguei a um ponto em que necessitei pedir ajuda. Tinha algo de errado comigo, e eu não sabia o que era. Comecei tratamento com psiquiatra e, como minhas hipóteses confirmavam, os remédios receitados eram para tratamento, justamente, de transtorno afetivo bipolar. Hipótese essa que permanece hipótese, mas muito em breve pode ser oficializada por um diagnóstico formal. Desde então, tenho observado o mundo ao meu redor e tudo que vivi, e sim, muitos dos meus momentos de excesso - os quais não entrarei em detalhes por serem pessoais demais - podem muito bem ter sido picos de mania. E de lá para cá, desde que busquei ajuda, as coisas foram ficando mais claras. Meus excessos não mudaram, mas foram ganhando forma e nome, e mais que tudo, extensão. O que antes era uma incógnita virou uma possibilidade, que então virou hipótese, e que muito em breve pode virar certeza.

Nesse cenário, assistir ao Bob socando o seu Vazio violentamente, sendo absorvido por este no processo, afastando seus amigos - quase os machucando por vezes - é algo que mexeu muito comigo, pois, só nesse ano, me senti assim muitas vezes. Hoje mesmo, no dia em que escrevo. É um sentimento muito desgastante, e impossível traduzir em palavras. Talvez imagens. Em um improvável filme "bobo" de super-heróis blockbuster. E pode parecer pouco, mas a atitude da Yelena é... linda. Todos nós precisamos de uma Yelena em nossas vidas, que não tenha medo de nos ver em nosso pior e nos diga - estou aqui. Todos nós merecemos amigos como os Thunderbolts que, mesmo falhos, estão dispostos a te ouvir e te ajudar, mesmo enquanto você soca o seu Vazio e acha que não há mais solução. Então, talvez, o título seja um tanto exagerado - Thunderbolts* não salvou minha vida, mas certamente me ajudou a olhar para mim e me entender como alguém normal e que, assim como o Bob, não estou perdida, e muito menos sozinha.

E sim, eu sei que o asterisco significa Novos Vingadores, e que o Quarteto Fantástico vem aí, e que o Doutor Destino do Robert Downey Jr. vai aparecer, e os X-Men originais, bla bla bla. Vingadores: Doomsday ou vai ser uma bomba ou vai ser muito bom, sem meio termo provavelmente. Mas antes de voltarmos às narrativas de multiverso novamente (que acabem logo, chega de variantes), nos atentemos a esse singelo momento. Esse singelo filme. Esse singelo filme, em que, por um instante, as coisas parecem mais simples, mais humanas e tangíveis. Não importa se eles são os Novos Vingadores ou não. Independente do nome, Thunderbolts* é uma gema rara em um caminhão de enlatados descartáveis. E que seja a primeira de várias gemas. Se for a única, já valeu a pena.


R.I.P. Treinadora (2021-2025)

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