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Vomit Gore Trilogy (2006-2010) e o "horror" de Lucifer Valentine

Lucifer Valentine é um dos diretores mais controversos de todos os tempos. Relativamente famoso no meio underground, basta ler o seu nome para se ter uma noção de quem ele é. Esse nome, Lucifer Valentine, é um pseudônimo - ele vive em anonimato enquanto produz sua "filmografia". Poucas informações são sabidas sobre ele - Valentine é satanista, fã do Kurt Cobain e pode ter tido uma relação incestuosa com sua irmã Cinderella, além de uma relação BDSM abusiva com sua atriz principal, Ameara Lavey. Tudo isso foi dito pelo próprio nas raras entrevistas que ele deu. Seu nome costuma ser associado ao de outros diretores extremos, tais quais Marian Dora (cujo nome também é um pseudônimo) e Fred Vogel. Ainda que diretores radicais, com obrais tais quais Melancholie der Engel (Dora) e a trilogia August Underground (Vogel), nenhum deles se compara com Lucifer Valentine.

Um dos primeiros trabalhos de Valentine é um documentário de 2012, Black Metal Veins, que acompanha uma banda de black metal cujos integrantes são viciados em drogas. Mas inegavelmente o trabalho mais reconhecível de Valentine é a trilogia Vomit Gore, que de acordo com o próprio seria um "novo gênero do terror". Vomit Gore, como o título explicita bem, se resume a obras chocantes que giram em torno de gore e vômito, constantemente ligado ao fetiche de emetofilia (prazer sexual no ato de vomitar), um dos fetiches do diretor. A trilogia é composta por Slaughtered Vomit Dolls, ReGOREgitated Sacrifice e Slow Torture Puke Chamber, além de um prequel de 2015, Black Mass of the Nazi Sex Wizard. São filmes sem muito enredo, que acompanham a trajetória de Angela Aberdeen, uma atriz pornográfica emetófila que, após tirar sua própria vida, passa por uma jornada abstrata rumo ao inferno durante as três obras.

Em suma, não há enredo, além de cenas de pessoas vomitando e momentos gore que cada vez mais escalonam na escatologia. Os efeitos especiais gradualmente melhoram, mas o roteiro pouco evolui no conjunto da obra. Digo isso pois, aficionada por produções "perturbadoras", resolvi assistir aos três em sequência, e agora me encontro três da manhã escrevendo sobre como essas produções doentias de Valentine me deixaram indignada, mais do que imaginava.

(Crédito: Divulgação)

Slaughtered Vomit Dolls talvez seja o mais palatável dos três, ainda que o mais confuso. É difícil compreender alguma coisa desse filme, mas nota-se que há um esforço mínimo em estabelecer alguns aspectos - os personagens vomitam sem parar, e esta é a história de Angela, que parece viver uma vida infernal de bulimia e consumo de drogas, constantemente atordoada por alucinações violentas. Além disso, alguns "personagens" secundários parecem ser estabelecidos, como Hank Skinny, um psicopata truculento e também emetófilo. Slaughtered Vomit Dolls já mostra o lado doentio do diretor, mas perto dos demais, parece haver uma "tentativa" ínfima de fazer "arte", por trás de todos fetichismos pornográficos de Valentine - que, vale mencionar, já foi diretor pornográfico. De qualquer maneira, piora daqui adiante.

ReGOREgitated Sacrifice talvez seja um dos mais bem acabados dos três, e o mais gráfico. Com um enredo mais vago ainda, acompanhamos Angela no inferno, sofrendo na mão das Black Angels of Hell (vividas por Jen e Sylvia Soska, diretoras de American Mary) e... muito gore e muito vômito, como de praxe. Não há muito o que ser dito a respeito desses filmes, já que são fiapos de roteiros e, literalmente, Vomit Gore. ReGOREgitated, no entanto, se destaca bastante pela parte gráfica, vide uma cena em particular envolvendo... intestinos, que bate com força para os espectadores de estômago fraco. Nada que não tenha visto em outras produções, a cena que iria me incomodar mesmo está no terceiro capítulo.

Slow Torture Puke Chamber é o filme dos três que tinha menos informações. Enquanto Slaughtered Vomit Dolls é o mais "conhecido", e ReGOREgitated tem um visual muito marcante - as cenas oníricas no fundo branco e a estética bem explícita foram o que me motivaram a assistir a trilogia inicialmente - Slow Torture não sabia o que esperar. E talvez justamente por isso tenha sido o que mais me impressionou, e me atingiu pessoalmente. Primeiro que, como sempre, o enredo é um fiapo, contando com duas Angelas que, aparentemente, precisam se "livrar" de uma vítima (entendi isso somente lendo no Letterboxd a sinopse). As coisas foram só se repetindo, com direito a reproduções idênticas a cenas dos dois primeiros, quase como um Despertar da Força do Lucifer Valentine. Até que, entre mais vômitos, bebedeiras, urina e sangue, surge uma cena. Uma cena que cruzou todos limites.

Sem entrar em detalhes, Valentine reproduz explicitamente, com um boneco de R$1,99, a situação mais controversa de A Serbian Film. Sim, AQUELA cena - newborn porn! Não preciso dizer mais nada. Quem viu, tanto Slow Torture quanto A Serbian Film, sabe do que se trata. E essa situação é mesclada com uma chuva dourada, o que torna ainda mais esquisito... Passado isso, as coisas voltam a ficar mais "leves" (se é que podemos chamar algo de leve nessa trilogia), mas o sentimento que fica é de choque anestésico. Possivelmente isso é a coisa mais brutal e perturbadora psicologicamente que já assisti em um filme. Mais que Niku Daruma inclusive (que até então era o mais extremo que havia assistido).

Então, cerca de 3 horas e meia depois, chegava ao fim a Vomit Gore Trilogy de Lucifer Valentine. Não cheguei a assistir a Black Mass of the Nazi Sex Wizard - talvez assista, talvez não, mas definitivamente não agora. Se antes eu não gostava de Valentine devido às polêmicas todas, agora eu repudio mais ainda. Além disso, matei uma curiosidade imensa que tinha de assistir a essas obras, por pura curiosidade mesmo, e decidi qual meu próximo desafio - maratonar a trilogia August Underground. E especialmente após Slow Torture Puke Chamber, saí do filme com um sentimento de que peguei pesado demais com Melancholie der Engel do Marian Dora - certamente é um filme pretensioso demais, ainda não gosto dos diálogos, mas ali há uma tentativa real de fazer arte. E o Marian Dora parece ser levemente mais agradável que o Valentine.

Esse texto foi mais pessoal, dado o calor do momento e o fato de que não há realmente nada a ser analisado nessa trilogia. Fica a lição, para os amantes de cinema extremo: a Vomit Gore Trilogy não é para qualquer um, dada a violência gráfica e a própria confusão narrativa, que torna uma experiência extremamente vazia, mas intensa. E justiça pela Ameara Lavey, que em vida passou por bocados terríveis nas mãos de Lucifer Valentine.




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