Antes dos filmes de super-heróis fazerem parte de Universos Compartilhados e ganharem o mundo, alguns títulos foram essenciais para o fortalecimento do gênero. Blade foi o precursor da nova onda de adaptações dos quadrinhos, que foi consolidada com X-Men – O Filme e Homem-Aranha. Então, diversos personagens ganharam versões cinematográficas, tanto da Marvel quanto da DC Comics – e nem todas foram boas. Hulk é um desses casos, um filme de um personagem icônico que acabou caindo no esquecimento coletivo.
Ainda em seu começo, a Marvel vendeu os direitos do personagem para a Universal Pictures, que em 2003, sob o comando de Ang Lee, lançou o primeiro longa-metragem do Golias Esmeralda. O filme não resultou em uma bilheteria satisfatória (um pouco mais que o orçamento) e teve recepções mistas, com as principais críticas sendo à história e aos efeitos especiais – o longa prioriza o drama à ação, o que o tornou cansativo para alguns espectadores, além da computação gráfica estranha e da tentativa falha de simular transições de quadrinhos. Só que Hulk tem muito mais a dizer do que parece.
O filme não é perfeito, mas o roteiro está longe de ser fraco. A abordagem dramática optada pelos roteiristas lida com um lado psicológico intenso do personagem, trazendo seu pai como antagonista. São abordadas questões como masculinidade tóxica e violência doméstica, que são os principais fatores que alimentam o Hulk dentro de Bruce Banner. A atuação de Eric Bana é fundamental para essa construção: inicialmente contido, Bana traduz perfeitamente a raiva e confusão de Banner, especialmente quando confrontado com as memórias reprimidas de sua infância. A relação conturbada com seu pai, vivido por Nick Nolte, também funciona muito bem, adicionando uma camada humana e pesada à história.
Ao contrário da maioria das adaptações de quadrinhos, Betty Ross (Jennifer Connelly) vai muito além de ser o interesse romântico; é uma personagem pluridimensional e com um arco bem desenvolvido. A história demora um pouco para engrenar, mas assim que o faz segue dinâmica até quase o final – outra crítica recorrente é quanto à luta final de Hulk e seu pai, já sob a identidade de Homem-Absorvente, que é pouco empolgante e um pouco confusa. Cenas de ação são o ponto fraco do filme, mas isso dialoga com a abordagem proposta por Ang Lee, e o final não é uma exceção, trazendo um embate quase que (ou totalmente) mental entre os dois personagens. É algo pouco usual, mas bastante ousado e diferente. Vale destacar que em nenhum momento o Hulk é chamado de Hulk, nem o Homem-Absorvente de Homem-Absorvente. Ao contrário do recente reboot do Quarteto Fantástico (que não os chama por esse nome e, esse sim, é um completo desastre), em Hulk parece funcionar.
Quanto aos efeitos visuais, realmente deixam a desejar, mas há de ser feita uma contextualização. O filme foi lançado no ano de 2003, quando a computação gráfica não estava tão avançada quanto hoje em dia – basta ver o filme seguinte, O Incrível Hulk, que já dá uma textura mais realista ao personagem. O real defeito da obra é a edição. A ideia da produção era simular histórias em quadrinhos, mas as transições, na maioria das vezes, mais distraem que qualquer coisa. Novamente, há de se contextualizar, e reconhecer o esforço na tentativa de construir uma linguagem inovadora, mas o resultado final não foi tão satisfatório. Por outro lado, a trilha sonora de Danny Elfman é extremamente eficiente na ambientação, e traz um tema musical memorável. É um trabalho musical bastante subestimado.
Hulk poderia ser muito melhor, mas é um bom filme. Na verdade, é uma obra com mais identidade que (quase) qualquer uma recente. A melhor adaptação do personagem ainda é O Incrível Hulk, de 2008, que consegue captar perfeitamente a essência do Gigante Esmeralda (e é um dos longas mais esquecidos do MCU). O Hulk de Mark Ruffalo é de longe o mais popular, mas o acordo com a Universal dificultou muito seu desenvolvimento narrativo, tornado-o quase um recurso narrativo em alguns momentos. Isso tirou muito do lado monstruoso e destruidor do personagem. Mesmo assim, nenhum dos dois têm um desenvolvimento psicológico tão interessante quanto a versão de Ang Lee.
É um filme à frente de seu tempo.
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lucasnoronha99 (https://bit.ly/3dbE2p5)
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