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Oscar 2021 e Nomadland (2020)

Arte é um ramo muito amplo, e que se transforma constantemente. Definir o que é arte é difícil. Independente disso, um fator que é, ou deveria ser, um pilar para a arte é proporcionar sensações em quem consome. Desde um filme blockbuster de entretenimento a um filme cult ou "intelectual", se bem feitos, ambos nos fazem sentir algo. E no fim da sessão, saindo da sala de cinema ou no conforto de casa, nós tiramos uma lição, refletimos sobre algo ou, no mínimo, temos uma ou duas horas de diversão momentânea. Ainda assim, é inevitável pensarmos quase que imediatamente nos aspectos técnicos do filme. Uns mais, uns menos - quanto mais assistimos e estudamos cinema, mais detalhistas ficamos. Às vezes tanto que esquecemos de sentir.

Filmes como Soul e O Som do Silêncio, além de compartilharem uma premissa semelhante, abordam esse tema. Joe Gardner está tão obstinado na busca pelo seu sonho que acaba não percebendo o quão idealizado é, e o quanto tal idealização afeta seu jeito de ser - e esquece de contemplar os pequenos momentos da vida. Ruben Stone também, busca tão incessantemente recriar o passado que não se dá conta da atual situação de sua vida, e que precisa seguir em frente - e acaba aprendendo a contemplar a vida como ela é, da maneira que é possível.

Tivemos vários ótimos indicados esse ano no Oscar, desde filmes de época (Mank) a tramas políticas (Os 7 de Chicago), passando por temas sociais importantes (Judas e o Messias Negro, A Voz Suprema do Blues e Uma Noite em Miami) e filmes intimistas à lá Roma (Minari), entre outros. Foi a primeira indicação a um ator muçulmano (Riz Ahmed) e coreano (Steven Yeun) na categoria de Melhor Ator, e a primeira mulher asiática (Chloé Zhao) indicada a Melhor Direção - provavelmente irá ganhar, dado os diversos prêmios que está conquistando. Regina King fez falta, e Thomas Vinterberg surpreendentemente foi indicado.

Mas nenhum filme mexeu tanto comigo como Nomadland.


(Crédito: Divulgação - Searchlight Pictures)


Pode-se comentar da direção precisa e marcante de Chloé Zhao, da grande atuação de Frances McDormand, da fotografia com planos gerais de encantar os olhos, da trilha sonora pontual e tocante... assim como poderia ser feita uma análise de como o roteiro trabalha o nomadismo como alegoria à "estrada da vida", de maneira extremamente simbólica e poética. Tudo isso, ainda, é intensificado pelo realismo quase documental da produção, que mescla atores e não atores. Mas o cinema é experiência, em especial filmes como esse, e se prender à tecnicidade nem sempre é bom. O enredo é simples e extremamente tangível: são pessoas que vivem suas vidas de uma certa maneira, passam por dificuldades e aproveitam os pequenos momentos. E isso é o suficiente.

Em tempos de um fluxo intenso de informação, poder parar e respirar um pouco, contemplar a vida, é algo muito bom. Estamos em isolamento social, mas assim como Fern, também estamos em constante movimento - aulas EAD, videochamadas, notícias, testes da internet, redes sociais.... Ou ao menos é isso que esperam de nós. Há uma cobrança excessiva em ser produtivo, estar sempre online, que nos pressiona a termos (ou a tentarmos ter) uma rotina cheia de atividades, quase como uma maneira de fugir de tudo que está acontecendo. Quem nunca pensou em jogar tudo aos ares, pegar um carro e sair por aí sem destino? Em um contexto sem pandemia evidentemente.

É um tanto quanto clichê, mas viver é estar em movimento. Estar atento ao que acontece no mundo é essencial, mas não temos como prever o que vai acontecer amanhã; precisamos nos cuidar e lidar com as surpresas da vida, e sentir é parte importante disso. Desde vibrar de alegria (ou o mais próximo disso) a se permitir sentir triste, tudo faz parte do trajeto. Valorizar os pequenos momentos, as pequenas conquistas; aproveitar a viagem, mesmo sem saber quando irá acabar.

Nomadland foi o primeiro filme em anos que desestabilizou meu lado racional e perguntou: e você, o que está fazendo da vida? Fiquei sem palavras. Qual rota estamos seguindo? O que estamos fazendo, por nós e pelos outros? Um dia (sabe se lá quando, esperamos que o quanto antes) a pandemia irá acabar, e o que iremos fazer? Será o mesmo trajeto? A única certeza que temos é que tudo acaba um dia. E é como dizem:

See you down the road.


...

Mais sobre a temporada de premiações: 

A Voz Suprema do Blues - https://bit.ly/3qX3Nir
Uma Noite em Miami - https://bit.ly/39FAT0n

Letterboxd:

lucasnoronha99 (https://bit.ly/3dbE2p5)

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