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Revisitando Filmes #1: O Pacto (2001)

2023 tem sido até então o ano mais desafiador da minha vida. 2022 e 2023, mas em particular 2023. Me perdi e me encontrei inúmeras vezes, tanta coisa aconteceu - inúmeros giros em 360º e plot twists, surpresas boas, situações inesperadas, momentos complicados...

Nesse contexto, decidi reassistir a alguns filmes importantes para mim, meus filmes de cabeceira. Comecei com O Pacto (mais conhecido como Suicide Club), e não podia ter feito escolha melhor. Inicialmente estava um pouco receosa dado a temática e o conteúdo forte (e gráfico em alguns momentos), mas botei o DVD e encarei a experiência. Já fiz uma análise mais aprofundada desse filme tempos atrás, no quadro Além da Barreira das Legendas, então esse texto é um comentário atual e transcrições de sentimentos e impressões de modo geral.

(Crédito: Divulgação - Omega Pictures)

(Alerta de gatilho, dado ao tema, e spoilers)

A primeira impressão que fica é relativa à temática. Suicídio é um tópico muito sensível, especialmente para o Japão, e a maneira que Sion Sono aborda o tema é... interessante. Ao mesmo tempo mostra o aspecto social, mas fala muito mais do que o suicídio em si. O que chama a atenção é o foco narrativo na busca pelo Clube do Suicídio. Desde o começo do filme vemos situações chocantes acontecendo, até a construção de uma ideia coletiva de um Clube do Suicídio, e como cada pessoa reage a isso. Sejam elas adolescentes, adultos, a mídia, a polícia... Isso é muito bem representado pelo personagem Genesis, vivido pelo cantor Rolly. Seu personagem é uma pessoa psicopata e possivelmente narcisista (possivelmente não, totalmente narcisista) que busca a fama a qualquer custo, mesmo que precise se associar a uma ideia criminosa e cometer crimes cruéis. Sua ambição é apenas aparecer na mídia, de uma maneira ou outra. Ele é um aproveitador, e essa é a sua maneira de reagir ao Clube do Suicídio.

A cena chave para compreender o filme, no entanto, é o momento seguinte à chocante cena de introdução de Genesis - o suicídio do filho do detetive Kuroda. Sono estabelece muito bem um sentimento de suspense e tensão, acentuado pela presença misteriosa da criança no telefone, que parece ter uma conexão diferente com Kuroda. Essa conexão chega ao ápice nessa cena, em que os dois conversam, e ali Sono usa da sua bagagem na poesia para trazer uma mensagem muito importante, que talvez defina Suicide Club. Os diálgos são extremamente afiados, e em particular para Kuroda naquele momento, a fala da criança vem como uma faca. Qual era sua conexão com seu filho? Com sua esposa? Consigo mesmo? A criança afirma, anteriormente, que não há um Clube do Suicídio, e de fato, talvez não haja. Nem o grupo de adolescentes que afirma que iniciou o movimento, nem Genesis, nem a própria banda Dessert. E ali, após uma tragédia, Kuroda é forçado a confrontar tudo que estava dando errado em sua vida, e ele toma uma decisão fatal. É uma cena pesada mas importante para entender a motivação de Sono.

Dito isso, chegamos à banda Dessart (que em toda aparição o nome é escrito de maneira diferente). Apontadas como as supostas reais organizadoras do tal Clube do Suicídio, talvez a intenção das crianças seja a oposta. É muito simbólico como, visando trazer uma reconexão consigo mesmo e com os outros, peles sejam costuradas, conectadas. Há uma ligação evidente entre o grupo e os crimes, mas não há um Clube do Suicídio de fato. O incidente com as 54 estudantes no começo poderia muito bem ser um caso isolado, assim como Genesis se aproveitando do nome, ou os adultos que estão cansados de suas vidas, em uma montagem intrigante e perturbadora, tirando a própria vida de inúmeras maneiras. Tudo está conectado, mas não necessariamente está. Talvez não haja um responsável pelos acontecimentos todos, e o grupo de crianças ligado à banda Desert entra no meio como um agente que promove e questiona a conexão.

Conexão é o tema chave de Suicide Club, o que nos remete ao ano em que foi produzido, quando a internet estava recém se tornando popular. É notável a crítica social de Sion Sono, ao abordar comunidades que promovam esse tipo de pensamento e incentivo (vide Baleia Azul, Momo e Homem Pateta), e como a tecnologia impacta nossas vidas. A música recorrente Mail Me aborda diretamente a tecnologia. Então o questionamento proposto é: em um mundo virtual, nós temos conexão conosco mesmos e com os outros? O que é real em um mundo virtual?

Não há um único protagonista. Apesar do filme focar boa parte do tempo de tela na investigação da polícia, em particular em Kuroda, é uma narrativa cíclica, com destaque sendo dado para personagens como o segurança do hospital (o arco mais "descolado" de todos dentro da narrativa), para a Morcego, entre outros. Mas o caso mais interessante é Mitsuko, que aparece em um momento no meio do filme e volta a aparecer novamente mais adiante, e é quem descobre o mistério acerca do Clube do Suicídio. Apesar do tempo menor de tela, seria ela também uma protagonista? Ela tem um dos arcos mais interessantes, e a cena final com o detetive Shibusawa é a segunda cena chave do filme.

Pessoas estão sendo marcadas, têm sua pele removida para adentrar em uma espécie de "culto". Fazem um pacto (parafraseando o título em português). Shibusawa chega para parar Mitsuko de tirar a própria vida, mas... ela realmente tiraria? Olhando por um lado, no final do filme, Mitsuko entende sua relação consigo mesma, e isso fica marcado em sua pele, ou na falta de uma pele, e talvez ter entrado em contato com as crianças não signifique nada. Cabe a ela decidir como vai viver a vida. E o que o final dá a entender é que ela irá seguir sua vida.

E aqui nos encaminhamos novamente para o tema do filme, suicídio. É um tema delicado que requer muito cuidado ao ser abordado, mas Sion Sono acerta em cheio. De maneira nenhuma o filme justifica a atitude de nenhum dos personagens que cometem crimes. É um final em aberto, então se realmente há um responsável que incentiva as pessoas a tirarem as próprias vidas, isso é um aspecto (e é errado). Também, com pessoas como o namorado de Mitsuko, que possivelmente sofria de depressão e decidiu tirar a própria vida, entra toda uma camada envolvendo a relação entre depressão e pensamentos suicidas. Kuroda tira sua própria vida após uma situação traumática e extremamente pesada. E Mitsuko, ainda que marcada, não necessariamente irá tirar a própria vida. Seu arco, mais que a maioria dos personagens, é sobre se reconectar consigo mesma e tomar o controle da própria vida.

Dessa maneira, na estação de trem, Mitsuko decide viver. Ela entende sua relação com Shibusawa e Shibusawa entende sua relação com ela, e ambos entendem sua relação consigo mesmos, e seguem suas vidas. Não é necessário um diálogo. É uma conclusão perfeita para um filme intrigante, pesado, controverso e reflexivo como Suicide Club.

Outrora o que havia me chamado mais a atenção era as cenas gráficas, em particular a cena com o Genesis. Reassistindo, mais que antes, saí reflexiva e pensando - como esta minha conexão com as pessoas próximas a mim e, ainda, comigo mesma? O que posso fazer por mim hoje? A música final, após tudo que aconteceu no filme (e no meu ano de 2023) me pegou em cheio. E talvez seja essa a mensagem. Tempos difíceis vieram ou virão, mas me dê a mão, pois juntos, contectados, talvez consigamos segurar e seguir em frente.

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