Sion Sono é um dos diretores japoneses mais ousados e controversos da atualidade. Bastante conhecido no Japão, seu primeiro grande sucesso foi Jisastu Circle (traduzido para O Pacto aqui no Brasil, mas mais conhecido como Suicide Club), uma produção forte que discute o alto índice de suicídios no Japão. Em 2005, Sono lançou uma continuação/prequel, que se passa antes, durante e após os acontecimentos de O Pacto, A Mesa de Jantar de Noriko.
O Pacto (2001) e
A Mesa de Jantar de Noriko (2005)
(Aviso: devido à temática, podem haver gatilhos)
O Pacto acompanha uma estranha onda de suicídios em massa no Japão, e a investigação policial em torno dela. Tudo começa quando 54 estudantes pulam ao mesmo tempo nos trilhos de um trem. Tal movimento faz com que jovens por todo país comecem a tirar suas vidas, sem motivo aparente. A polícia acredita haver alguém induzindo-os a cometerem suicídio, mas as coisas podem não ser tão simples quanto parecem. A única pista evidente é um estranho site na internet, o qual parece prever as mortes. A Mesa de Jantar de Noriko é uma história paralela a essa, mas que se passa ao mesmo tempo. Noriko é uma estudante insatisfeita com sua vida que, através de um site na internet, conhece Ueno Station 54. Ela resolve fugir de casa e pega um trem para Tokyo. Lá conhece Ueno - cujo nome real é Kumico - e as duas iniciam um estranho negócio onde, junto a outras garotas, se passam por membros de famílias alheias por dinheiro.
Mais cru e gráfico que seu sucessor, O Pacto é um dos grandes títulos japoneses do início da década de 2000. A cena de abertura já traz o tom do que vem à frente - os efeitos especiais são um pouco "toscos" em alguns momentos, mas de maneira alguma isso afeta a experiência, pois as situações retratadas em tela são extremamente impactantes e desconfortáveis. A dinâmica policial é envolvente, e ao passo em que vamos descobrindo a verdade tudo começa a fazer sentido - só que não. O final é relativamente aberto, o que pode incomodar alguns espectadores, mas acho isso algo incrível. A principal reflexão proposta por Sono em O Pacto é a da conexão - estamos conectados com nós mesmos? E com as pessoas ao nosso redor? É importante destacar o ano de lançamento do filme, quando a internet ainda estava tomando o mundo, e as pessoas se questionavam o quanto esta iria afetar suas vidas a partir daquele momento.
Em meio a um banho de sangue, reflexões sobre a vida e a tecnologia. (Crédito: Divulgação - Omega Pictures)
É um questionamento muito atual; em tempos de redes sociais como WhatsApp, Tinder, Tik Tok, quanto tempo nos dedicamos às pessoas fora destas redes? Essa é essencialmente a mensagem de O Pacto, mas não apenas isso. Como a história aponta desde o começo, há o debate da delicada questão do índice de suicídios no Japão. Vários fatores estão envolvidos, mas aqui é trazido especialmente um viés da tecnologia - qual o impacto desta na decisão de alguém de tirar sua própria vida? Qual o papel da mídia nisso tudo? A banda Dessert (cuja grafia muda constantemente durante o filme) representa muito isso, o quanto nossas influências afetam como agimos e o que pensamos. Essa constante busca de alguns por aparecerem na mídia a qualquer custo, que é representada por Genesis - que protagoniza a cena mais perturbadora do filme - é outro aspecto que se destaca.
Além do roteiro, a trilha sonora chama bastante a atenção. Com poucas músicas, a maioria diegéticas (os números musicais das Dessert e o número de Genesis), é uma trilha bem marcante. O Love Theme é de uma beleza e tristeza imensa, que somente os japoneses são capazes de oferecer.
Mas não para por aí. Sion Sono achou importante explicar algumas questões relativas à O Pacto (que, pessoalmente, não acho necessárias serem explicadas), e então surgiu A Mesa de Jantar de Noriko. O formato indefinido pode confundir um pouco quem o assiste, pois se trata de uma prequel, uma continuação e uma história inédita ao mesmo tempo - prefiro enxergar como uma história paralela que dialoga com O Pacto. Mais "pé no chão" que a primeira parte, A Mesa de Jantar de Noriko tem como maior impacto não a representação gráfica, e sim a reflexão proposta. O filme se estende demais, se tornando cansativo em alguns momentos, mas consegue se contextualizar bem com a produção anterior. Levando a história para uma direção bastante diferente, ainda mantém a temática "conexão", mas vai além da internet e do suicídio.
Alguns caminhos não têm volta. (Crédito: Mother Ark Co. Ltd.)
A crítica à sociedade japonesa é mais incisiva aqui, e é mais especifica ao interior das casas e às dinâmicas familiares. Seja na família de Noriko ou na de seus clientes, são mostradas relações falhas e abusivas, que culminam na fatídica cena que dá nome ao filme. O final é bastante conclusivo, e até mesmo um pouco otimista ao meu ver. Ao tentar explicar O Pacto, novas perguntas acabam surgindo - justamente por esse motivo, e por haver poucas referências diretas à obra anterior, acredito que é uma história independente que se passa no mesmo universo. Só que, por carregar a responsabilidade do nome Suicide Club, a história de Noriko e Kumico perde um pouco da força, problema que seria facilmente resolvido se Sono tivesse optado por contar uma história desvinculada. Para os fãs de O Pacto e do trabalho do diretor, entretanto, é um ótimo complemento; e A Mesa de Jantar de Noriko traz vários questionamentos inéditos para esse universo.
Nota
O Pacto: 9 / 10
A Mesa de Jantar de Noriko: 7 / 10
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