Um super-herói está em mais um dia de sua vida, salvando a cidade, quando, em dado momento, o multiverso colide e inúmeras variantes surgem, incluindo variantes de si mesmo e de outros personagens, vividos por atores de filmes antigos, a maioria fazendo uma ponta um cameo nostálgico. Essa poderia ser a sinopse de inúmeras produções, para citar algumas, Homem Aranha: Sem Volta para Casa, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, Homem Formiga e a Vespa: Quantumania, The Flash, possivelmente Deadpool 3. E se não são esses moldes, certamente haverá alguma participação especial aqui e ali - WandaVision, Loki - ou em alguma cena pós-créditos - As Marvels. E mesmo que não se trate necessariamente sobre multiverso, pode-se simplesmente jogar personagens em tela que cumprirão um valor de nostalgia - Indiana Jones e o Chamado do Destino, Jurassic World: Domínio, Jogos Mortais X e os inúmeros reboots de terror que partem do final do primeiro título. Mas vamos nos atentar por ora no cinema de super-heróis e a já esgotada fórmula de multiverso.
Narrativas em multiverso não são novidade, mas começaram a se tornar populares após Homem Aranha no Aranhaverso, em um contexto onde o mercado já buscava repetir os moldes do Universo Cinematográfico Marvel. Se um filme se tornasse popular o suficiente e rendesse um bom retorno de bilheteria, o caminho natural seria fazer inúmeras sequências e um universo conectado. E com todos defeitos que possamos apontar, o MCU ainda assim é um dos poucos casos de sucesso nesse sentido. Basta olhar para a própria concorrente, Warner Bros, com seu desajeitado e falecido DCEU. O Sonyverso esquecido de vilões do Homem-Aranha, um fracasso retumbante, salvo na prorrogação do segundo tempo pelo Venom. O Universo dos Monstros da Universal, que mal deu um passo com o terrível A Múmia, com Tom Cruise, e já não existe mais.
Enquanto escrevo agora, está tocando o tema do Superman no meu Spotify, o clássico, pelo gênio inigualável John Williams. Penso no que torna filmes como este tão especiais e icônicos. Eles não precisavam estar conectados a milhões de outras produções. Ainda que com sequências desnecessárias e, algumas em particular, bem questionáveis, Superman é um ótimo exemplo de como um filme ter identidade é algo essencial. A trilogia do Batman de Christopher Nolan, com suas eventuais derrapadas no terceiro capítulo, não se tornou tão popular e atemporal por suas conexões com outras produções. E mesmo pegando filmes como a saga X-Men da Fox, a trilogia original do Homem-Aranha de Tobey Maguire e os filmes trash dos anos 2000 como Quarteto Fantástico, Motoqueiro Fantasma, Hulk (um caso à parte), Demolidor... havia uma identidade própria que os tornavam únicos, melhores ou piores.
Desde Homem de Ferro esta fórmula vem se popularizando, em especial após o lançamento de Os Vingadores, e todos buscaram copiar. São filmes idênticos, produtos de entretenimento, mas que até então funcionavam. O grande baque deste tipo de produção aconteceu após Vingadores: Ultimato, onde o grande projeto de 10 anos da Marvel chegou ao fim, e muitos adolescentes como eu vimos nossa adolescência acabar e adentramos no mundo adulto, sabendo que aqueles personagens que nos acompanharam durante toda a infância tiveram sua conclusão. Me lembro com carinho de ter assistido no cinema Ultimato e ter chorado com os créditos finais. Certamente, é fácil apontar esse desgaste como sendo algo ligado à nostalgia, mas mesmo assim, é fato que a velocidade de informação e a necessidade de produção tornou, em particular os filmes de heróis, produtos totalmente comerciais e descartáveis.
O importante é a quantidade, não qualidade, não importa a pressão que isso cause nos artistas envolvidos, especialmente do campo de efeitos visuais. Assim chegamos em um momento triste no qual filmes como Quantumania e The Flash são lançados, filmes genéricos e formulaicos que dificilmente alguma criança de hoje em dia irá lembrar com a mesma nostalgia que a nossa geração lembra de, por exemplo, Homem de Ferro ou O Cavaleiro das Trevas. Há exceções, como The Batman e Coringa, mas é raro um filme de super-herói hoje em dia sair da caixinha de verdade e se destacar. Até houve tentativas - vide Os Eternos - mas a figura do produtor, com seu boné colado na cabeça e capitaneado por um certo rato ganancioso, não permitiram. Assim, o que era um potencial de mercado virou uma máquina incontrolável e sem identidade.
Nesse contexto, surge o multiverso. Em um mundo pós-Ultimato e pós-pandemia, o cinema volta, e com ele vem o filão de produções que botam cameos vazios em um mar inosso de CGI, somente para tirar uns trocados de bilheteria de um público que, supostamente, comprará tudo o que vier à sua frente. Chegamos ao cúmulo de ressussitar Christoper Reeves digitalmente para fazer uma ponta vazia e eticamente questionável em mais um filme "flopado", que, assim como todos outros, prometia reinventar a experiência do cinema de heróis mas acabou sendo o velho produto capitalista cópia da Marvel. A própria Marvel se encontra em uma situação difícil, tendo suas engrenagens expostas e decaindo mais e mais. A dita fadiga de filmes de herói, um fenômeno que já se poderia prever, especialmente após a enxurrada de séries lançadas na Disney+.
E chegamos a Deadpool, um personagem que se destacou com dois filmes excêntricos e cheios de identidade, mesclando perfeitamente heroismo, violência e humor. Deadpool é uma dessas exceções, em particular o primeiro título, um filme notável muito acima da média. Admito ter algumas expectativas acerca de Deadpool 3, mas o fato é que, se o terceiro capítulo for mais um Sem Volta para Casa só que com sangue e palavrões, o cinema de super-heróis oficialmente morreu. Como se não fosse o bastante, em nossa ansiedade de informação, rumores e vazamentos permeiam em particular produções como essa, geralmente estragando a experiência de se assistir ao filme. E se Deadpool 3 for a Disney fazendo a limpa no universo Fox utilizando cameos para atrair público, disfarçado de filme "cool", afinal, é o "primeiro filme do MCU para maiores"... é o fim.
Daí cabe a nós termos um pouco de esperança. Superman: Legacy está próximo, e enquanto agora pode ser a morte do cinema de super-heróis, Superman: Legacy pode ser seu ressurgimento. Isso se pudermos depositar esperança no projeto audacioso de James Gunn para a DC nos cinemas. Mas se for o caso, seria uma reviravolta linda, em uma realidade dominada por obras vazias de todos os cantos.
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