Jorge não gosta de Natal. Ele passa mais um Natal com a família, que como sempre acaba em confusão e estresse. No dia seguinte, se surpreende ao perceber que é Natal - novamente. Ele cai então em uma "maldição": cada vez que acorda é a mesma festividade, só que no ano seguinte. Assim, vê sua vida passar e perde o controle de tudo, começando aos poucos a valorizar os pequenos momentos.
A premissa é bastante clichê no papel (vide filmes como O Feitiço do Tempo, o precursor desse recurso narrativo), mas inova ao adicionar o fator passagem do tempo. Este elemento soma demais à proposta, tornando Tudo Bem no Natal que Vem um filme altamente reflexivo sobre, mais do que aprender o valor da família e do Natal em si, as decisões que tomamos na vida e suas consequências - e responsabilidades. No terceiro ato há um sentimento de nostalgia e retrospectiva, além de uma certa tristeza, que, especialmente no ano em que vivemos (2020), atinge fundo todos que assistem. Ao mesmo tempo, a história é balanceada com o humor, que também é muito bem desenvolvido.
Muito disso parte do carisma de Leandro Hassum, em uma de suas melhores performances até então. Um nome recorrente no cinema de comédia, ele consegue equilibrar o timing cômico com as camadas dramáticas do personagem de maneira espetacular (uma cena em particular com sua filha Aninha, já adulta, é muito tocante). Danielle Winits, que vive Márcia, também está perfeita. Ela é um dos grandes nomes do cinema nacional, e a dinâmica Jorge-Márcia é um dos principais pivôs humorísticos do filme. A contraparte "séria" é Elisa Pinheiro. Sua personagem, Laura, é mais introspectiva que a de Winits, e agrega muito à parte dramática da história. Vale destacar os coadjuvantes, como o tio Victor e Aninha (uma interpretação magistral de Arianne Botelho).
A direção de fotografia é ótima, reproduzindo vários planos e movimentos com o intuito de transmitir uma sensação de déjà vu (mais notavelmente um plano sequência muito bem executado no começo do filme). É um elemento essencial para a construção da história, dos personagens e da atmosfera, além de dar um ar quase teatral às vezes. A direção de arte acerta na ambientação; são elementos sutis, mas é perceptível a passagem dos anos. O mesmo vale para a maquiagem. Além disso, não é um filme tecnicamente deslumbrante, mas funciona muito bem.
Tudo Bem no Natal que Vem é uma comédia surpreendentemente dramática - ou seria um drama surpreendentemente cômico? - que vai além do típico filme de Natal, provocando reflexões importantíssimas acerca de temas muito além da celebração natalina. E claro, é uma produção brasileira. Nosso cinema comumente é taxado de "ruim", ou limitado às "comédias globais" - é interessante ver um filme tão fora da curva feito por estes mesmos profissionais (só que na Netflix), mostrando mais ainda o preconceito das pessoas acerca dessas produções e, indo além, o cinema brasileiro. Sim, fazemos filmes bons. Temos histórias incríveis, universais e, ainda assim, com nossa identidade.
Nota: 8 / 10
Comentários
Postar um comentário