São 00:30 e acabei de assistir ao último filme de Chadwick Boseman, A Voz Suprema do Blues (disponível na Netflix). Fazia muito tempo que não chorava tanto.
A Voz Suprema do Blues conta um fragmento real da vida da cantora Ma Rainey, quando ela e sua banda gravaram algumas canções em estúdio, entre elas a que dá título ao filme (em inglês), Ma Rainey's Black Bottom. A gravação foi conturbada por diversos motivos, entre eles o atrito entre a cantora e o trompetista Levee, que queria maior liberdade criativa. Falar mais iria estragar a surpresa, mas o final está longe de ser feliz. Baseado em uma peça de August Wilson (o mesmo autor de Fences, cuja adaptação também conta com Viola Davis), o filme acerta na transposição de linguagem, e isso se reflete especialmente na direção de fotografia. A câmera transita entre os personagens de maneira bastante fluida, como se estivesse no palco - há momentos, como os monólogos de Levee, que contam com planos estáticos (e geralmente próximos) que fortalecem muito o sentimento do personagem. A edição sem muitos cortes auxilia na imersão, e é um dos melhores exemplos da edição como um aspecto "invisível" do filme.
O ponto forte, no entanto, são as atuações. Mais especificamente os protagonistas, Viola Davis e Chadwick Boseman. Viola é uma das atrizes mais talentosas e importantes das últimas décadas, e sua Ma Rainey é imponente, crítica e poderosa. É uma atuação precisa, na qual cada gesto, cada olhar, diz muito sobre o que ela sente e o que quer comunicar. A indicação ao Oscar é quase certa. Mas quem rouba a cena é Chadwick Boseman, mais conhecido por interpretar o Pantera Negra, que faleceu de câncer no cólon esse ano. Seu papel mais reconhecido sempre será o do super-herói da Marvel, mas em A Voz Suprema do Blues ele traz sua melhor atuação - que acabou sendo sua última.
Facilmente uma das melhores, senão a melhor, interpretação do ano, Chadwick mostra todo seu talento dramático; Levee serve como contraponto de Ma Rainey, e é um personagem cheio de personalidade, bastante impulsivo, carismático e persuasivo. Sedutor, em todos sentidos. Quando ele bate de frente com a cantora ao defender suas ideias, sentimos o peso da atuação dos dois - a química entre eles está perfeita; mesmo quando os dois não estão juntos em cena há uma tensão no ar. Sua indicação é certa, e Boseman tem muitas chances de uma vitória póstuma pelo papel.
O mais impactante em A Voz Suprema do Blues, entretanto, não é a relação dos dois, e sim o contexto social. O filme retrata de maneira assustadoramente real o racismo, tanto explicitamente quanto nas entrelinhas. Cada músico lida com esse fator à sua maneira, tornando os personagens, mesmo os coadjuvantes, multifacetados e memoráveis. E o final... um dos desfechos mais perturbadores que já assisti. Não é preciso falas marcantes nem um grande acontecimento, a tomada final por si só fala muito da triste realidade em que vivemos ainda hoje. E isso é o que mais assusta. O impacto fica maior considerando a morte de Chadwick. Um grande artista, um grande ser humano, no auge de sua carreira, que se foi.
A Voz Suprema do Blues é um dos melhores lançamentos de 2020, e certamente irá receber diversas indicações na premiação da Academia. Mas muito além de indicações ao Oscar, é um filme duro, emocionante e (infelizmente) atual. Facilmente um dos melhores filmes da década.
Poucos filmes/séries me fizeram chorar tanto quanto Cinema Paradiso e Your Lie in April. A Voz Suprema do Blues é o novo integrante dessa seleta lista.
Nota: 10 / 10
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lucasnoronha99 (https://bit.ly/3dbE2p5)
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