Pular para o conteúdo principal

Power (2020)

O cinema, antes de qualquer coisa, é entretenimento. Recomendo sempre a todos assistirem aos filmes antes de ler a crítica, ou não levarem a crítica em consideração direto. Da mesma maneira, uma questão relativa é o gosto - todo mundo tem aquele filme ruim que gosta, não? Afinal, gosto não define qualidade, e não há problema nenhum nisso. Dito isso, vamos falar de um filme que entrou recentemente no catálogo da Netflix e que, mesmo não sendo um primor em todos aspectos, possui elementos bem interessantes.


Power (2020)



Power nos apresenta a uma nova droga, chamada Power, que concede super-poderes a quem a consome, mas somente por 5 minutos. Nesse contexto, um homem misterioso chamado Art está atrás do responsável pela produção, e em seu caminho cruza com Robin e Frank - respectivamente, uma garota que trafica a droga e um policial que a consome no trabalho. Os três então irão contra o sistema, e na contramão das desigualdades sociais (infelizmente) vigentes em New Orleans, e no mundo.

A premissa é muito interessante, a execução nem tanto. Power tem como ponto fraco o roteiro, que cai bastante no senso comum e se rende a vários clichês de filmes de super-herói, especialmente no ato final. Há um excesso de narrativas também, de maneira que nenhuma delas é desenvolvida de maneira satisfatória - semelhante, malcomparando claro, a Batman vs Superman. Mas o que mais senti falta foi o desenvolvimento dos personagens, especialmente o de Robin. Dominique Fishback está muito bem no papel, um dos pontos mais altos do filme, mas a personagem é extremamente superficial, assim como todos outros. Todo o potencial deles é desperdiçado em um roteiro inchado e que dá prioridade a cenas de ação iguais a muitas que já vimos em outros títulos do gênero.

Mas o filme tem aspectos - muito - interessantes. A direção de fotografia chama bastante a atenção, particularmente em um plano sequência perto do final, em que a luta é vista de uma perspectiva totalmente diferente do convencional. O elenco é ótimo também. Além de Dominique, Jamie Foxx se entrega por completo ao papel, e Joseph Gordon-Levitt funciona bem no conjunto. E Rodrigo Santoro também está no elenco, em um papel coadjuvante mas não menos importante. A direção de arte também traz elementos interessantes. A montagem é regular, eficiente mas longe de ser boa. Os efeitos especiais são convincentes, mas para quem está habituado ao gênero de super-heróis não há nada de novo. O trabalho de maquiagem é muito bom, ressaltando o realismo da história e, mais ainda, as consequências do uso excessivo do Power.


Reflexões sociais em meio a meta-humanos e efeitos especiais. (Crédito: Divulgação - Netflix)

O grande destaque do filme, entretanto, é o subtexto. Apesar dos personagens um pouco estereotipados, há uma discussão muito interessante a respeito de desigualdades sociais e econômicas, e a metáfora do Power em si (que em inglês significa "poder") é muito interessante. A figura de Robin é fundamental especialmente nesse sentido, pois ela é a que mais desafia esse sistema, por ser uma mulher negra e pobre em uma realidade que privilegia homens brancos e ricos. O rap entra aí como maneira de expressão e resistência diante de injustiças absurdas - aliás, uma coisa que senti bastante falta, há pouco rap no filme para a importância que isso tem na vida da personagem. Ainda assim, a camada social é a que mais se sobressai, e expõe uma sociedade injusta e desigual enraizada em preconceitos raciais e econômicos.

Os poderes em si de cada usuário também dizem muita coisa sobre eles. Além de bastante criativos (um prato cheio para quem curte efeitos especiais), possuem um fundo psicológico bem forte, e o primeiro que me vêm à cabeça é o do jovem que ganha capacidade de camuflagem. Afinal, quantas vezes já desejamos ser algo que não somos para nos sentirmos parte de um grupo?

Power não é um bom filme como experiência audiovisual, mas entretém, e possui elementos bem interessantes que nos fazem refletir sobre nosso papel na sociedade, e o que estamos fazendo com nosso poder. Todos temos um poder, só precisamos saber usá-lo de maneira sábia, que então ele vira nossa maior arma contra as injustiças da vida.


Nota: 7 / 10

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Thunderbolts* salvou minha vida

Nunca achei que diria isso, mas obrigada, Marvel Studios. Thunderbolts* (destaque para o asterisco, é essencial), bem resumidamente, traz figuras em segundo plano no grande espectro do MCU se unindo e formando uma equipe improvável, de anti-heróis e vigilantes com um passado conturbado e que, sem exceção, lidam com problemas familiares, pessoais e de saúde mental. Na verdade, é um filme sobre saúde mental, vindo da Marvel Studios. Coisa que nem no cenário mais otimista imaginaria, especialmente vindo após o horror que foi Capitão Falcão vs Harrison Ford Vermelho (desculpa, Sam Wilson, torço que você tenha um arco de redenção no futuro com filmes melhores). Dessa maneira, eu, muito mais alinhada ao DCU do James Gunn ultimamente, e cética com o trabalho da Disney com esse multiverso compartilhado, decido assistir à nova produção capitalista da Marvel Studios. E quem diria... mudou minha vida? Crédito: Divulgação - The Walt Disney Company (Alerta de spoilers) Entremos no filme. Como retra...

Além da Barreira das Legendas #0 - Martyrs (2008)

Martys é um dos meus filmes preferidos, e meu roteiro preferido (irei explicar os motivos), então, por mais irônico que seja, é sempre um prazer para mim falar sobre o filme. Para começar a falar de Martyrs, preciso falar sobre o movimento chamado New French Extremity. Foi um movimento especialmente predominante na passagem do século XX para o século XXI, e teve como principais expoentes filmes como Irreversível, A Invasora, Em Minha Pele, Alta Tensão, A Fronteira e Martyrs. A concepção do movimento era trazer uma sensação de perturbação ao espectador, trazendo cenas de violência extrema aliadas a um conteúdo transgressor e seco, às vezes niilista. O longa traz perfeitamente essa abordagem. A história gira em torno das amigas Lucie e Anna. Lucie foi capturada quando pequena por uma seita e viveu em cativeiro por alguns anos, sofrendo constantes abusos e torturas. Um dia ela escapa, e vai parar em um orfanato. Ela é completamente antissocial e autodestrutiva, e tem como única ami...

Revisitando Filmes #1: O Pacto (2001)

2023 tem sido até então o ano mais desafiador da minha vida. 2022 e 2023, mas em particular 2023. Me perdi e me encontrei inúmeras vezes, tanta coisa aconteceu - inúmeros giros em 360º e plot twists, surpresas boas, situações inesperadas, momentos complicados... Nesse contexto, decidi reassistir a alguns filmes importantes para mim, meus filmes de cabeceira. Comecei com O Pacto (mais conhecido como Suicide Club), e não podia ter feito escolha melhor. Inicialmente estava um pouco receosa dado a temática e o conteúdo forte (e gráfico em alguns momentos), mas botei o DVD e encarei a experiência. Já fiz uma análise mais aprofundada desse filme tempos atrás, no quadro Além da Barreira das Legendas, então esse texto é um comentário atual e transcrições de sentimentos e impressões de modo geral. (Crédito: Divulgação - Omega Pictures) (Alerta de gatilho, dado ao tema, e spoilers) A primeira impressão que fica é relativa à temática. Suicídio é um tópico muito sensível, especialmente para o Japã...