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Especial Dark (2017-2020)

Vivemos um momento extremamente difícil e atípico no mundo, e além de tomar os cuidados higiênicos essenciais, é importante preservar a saúde mental também. O isolamento social afeta diretamente nosso psicológico, individual e coletivo. Em meio a esse "apocalipse", nos resta recorrer à arte para passar os dias e aguentar sem enlouquecer. Nada melhor do que a série Dark, uma série bastante popular da Netflix que acaba de chegar ao final, para nos fazer refletir sobre o caminho da vida e até mesmo a situação atual do mundo.

Dark (2017-2020)


Não é minha intenção explicar a série. Para isso há vários vídeos e sites na internet que irão esclarecer bem, tanto a linha do tempo quanto a árvore genealógica. De qualquer maneira, vale comentar um pouco sobre o enredo. Dark, mais que tudo, conta a história da cidade de Winden e seus moradores. Lá começam a ocorrer estranhos desaparecimentos, incluindo o de Mikkel Nielsen, filho de Ulrich e Katharina. O que eles não sabem é que tudo está conectado a uma caverna, na qual há um portal de viagem no tempo. Passado, presente e futuro começam a se entrelaçar, e o choque temporal (e interdimensional) resulta em um grande desastre.

(ALERTA SPOILERS)

Não sou muito chegado em séries de modo geral, mas Dark é uma das poucas que conseguiu me prender. Na direção oposta de muitos que a assistiram, minha temporada preferida é a segunda. É a que fez me conectar totalmente com o universo e os personagens. A primeira temporada já apresenta uma premissa interessante, mas tem um ritmo um tanto quanto arrastado na minha opinião. E a terceira conclui com chave de ouro a série, conseguindo o feito de conectar tudo que nos foi apresentado de maneira satisfatória (digo isso pois seria bem fácil de se perder no storytelling, dada a quantidade de elementos, personagens, tempos e até mundos que entram em cena).

Passado um tempo que assisti ao episódio final, percebo que há uma forte influência de Donnie Darko, não apenas nos easter eggs, e sim na estrutura narrativa proposta. Ainda assistindo à série, notei uma semelhança entre a figura de Claudia e da Vovó Morte, sem contar o mistério sem resolução do olho de Woller (o mesmo olho que Frank perde em DD) e a referência direta ao filme na primeira temporada, no figurino de halloween de Mikkel quando desaparece, entre (muitos) outros. Além disso, notei muitas outras influências, que podem ou não ter passado na mente dos criadores, mas que dialogam bastante com a série - a estética oitentista de Stranger Things nas cenas de 1986, a fotografia do futuro e o final existencialista de Blade Runner (all those moments will be lost in time like tears in rain), o questionamento sobre religião de Martyrs...

Aliás, é muito interessante a abordagem da série quanto à religião e religiosidade. É muito emblemática a representação de Jonas e Martha como Adam e Eve, ou em português, Adão e Eva, os supostos dois primeiros seres humanos criados por Deus. Aqui acho importante pontuar que sou ateu, mas mesmo não acreditando nisso, acho genial a maneira que Jantje Friese e Baran bo Odar colocam Tannhaus como o "Deus" daqueles dois universos. Associei isso muito à criação artística. Como o próprio nome diz, quando criamos uma obra de arte, elas são nossas criações, e nós somos os criadores. Na série se configura através da ciência, a paixão de Tannhaus, e o meio que ele recorre para superar a perda trágica do filho e da nora. Dessa maneira, Jonas e Martha representam os dois. Até os nomes são semelhantes - Marek lembra Martha, e Sonja tem as mesmas letras que Jonas. Pode ser apenas coincidência, ou não.

Tudo está conectado. (Crédito: Divulgação - Netflix)

Ainda sobre eles, gostei muito da atuação de Louis Hofmann e Lisa Vicari. Todas atuações foram incríveis, mas os dois se destacaram bastante. Outros personagens que roubam a cena são Adam (será que eu fui o único que não me surpreendi com o plot twist?) e Noah. Enxerguei muito o Adam como uma espécie da Madeimoselle, alguém capaz de qualquer coisa para atingir seu objetivo, por mais que tenha que recorrer à violência, e Noah é apresentado como seu representante, mas com o passar dos episódios ganha um desenvolvimento incrível, e acaba criando a situação mais estranha de todas - a relação entre ele e Elizabeth deixa Game of Thrones no chão. Em contraponto a Adam, há Eve, que aparece somente na última temporada mas faz um contraste importantíssimo. Eles são os "erros da matrix", e cada qual à sua maneira, cometem os mesmos erros de novo e de novo. Afinal, somos seres humanos, e não estamos isentos de errar, nem podemos escapar do nosso destino. É interessante enxergar esse processo de "retroalimentação" humana, representada na série por esses dois personagens. Vale destacar também a transformação de Jonas em Adam, que é extremamente bem conduzida, e o trabalho do ator Dietrich Hollinderbäumer.

A figura que (des)equilibra o jogo é Claudia, que atua nas sombras na maior parte do tempo mas tudo observa, e é a única a descobrir a verdade - sozinha. Liza Kreuzer é incrível no papel, e traduz perfeitamente o peso de ter vivido e revivido tudo aquilo. Falando nisso, Dark traz mais do que viagens no tempo e uma árvore genealógica complexa. É uma série bastante pesada, e algumas cenas se destacam nesse quesito, como a morte de Egon pelas mãos da própria filha, o assassinato de Hannah pelas mãos de Adam (ou Jonas, também o próprio filho), e a cena que talvez seja a mais brutal de todas na minha opinião, que é a tentativa de estupro de Elizabeth, seguida da morte de Peter. Assistindo à série, aquela cena foi a mais impactante para mim. Outro aspecto interessante é a inclusão de personagens surdos-mudos. Elizabeth é uma personagem-chave na história, e lidera os demais sobreviventes no futuro.

Tecnicamente é uma série muito bem feita também. A direção de fotografia é bem eficiente na distinção de tempos e de mundos, e em cada situação representa muito bem o contexto e os personagens atuantes. O mesmo vale para a direção de arte, especialmente nas cenas de 1986 e 1953. A trilha sonora é atmosférica e envolvente, e vale destacar a beleza da abertura, visual e sonoramente. É a mesma música usada em Breaking Bad, na morte de Gus Fring, mas Goodbye caiu muito bem com a estética e temática de Dark. E as edições das aberturas são um show à parte - simples e hipnotizantes.

Look de 2020. (Crédito: Divulgação - Netflix)

A série, entretanto, comete alguns deslizes ao meu ver. A primeira temporada demorou para engrenar para mim, e o final não me deixou empolgado para continuar assistindo. Alguns personagens poderiam ser melhores trabalhados também, como Magnus, Bartosz e Franziska. Bartosz tem um papel importante na história, mas parece que não sai do lugar. O mesmo vale para Magnus e Franziska, personagens interessantes que acabam ficando de fundo e não fazem tanta coisa na série. Outro momento em que a série desanda um pouco é no arco narrativo de Ulrich, após ser internado no manicômio. Seu papel na história é fundamental, mas com o desenrolar dos episódios ele vai sendo deixado de lado, e volta a ter destaque após sermos apresentados ao segundo mundo (o de Eve).

Mas essas questões acabam ficando em terceiro plano diante das qualidades da série, que são muitas. A construção narrativa é perfeita, e o final é o melhor e mais emocionante possível. Dark é uma série (infelizmente) muito atual também, não apenas por ser o mesmo ano do apocalipse em Winden, e sim por estarmos vivendo um cenário quase apocalíptico também. O mundo pós-pandemia com certeza vai ser muito diferente, e ao contrário da série, não há uma caverna onde possamos entrar e reverter tudo o que já aconteceu.

NOTA: 9,5 / 10

REFERÊNCIAS:
https://www.aficionados.com.br/personagens-dark/ (acesso em 23 de julho de 2020)
https://www.youtube.com/watch?v=2RimnaHm2_c (acesso em 23 de julho de 2020)



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