Seguindo a temporada de premiações, assisti ao novo filme de Martin Scorsese, O Irlandês. Bastante elogiado por todos que assistiram, criei algumas expectativas, especialmente sendo um filme do Scorsese, mas...
Antes de iniciar minha crítica, gostaria de fazer uma pequena menção ao debate que se iniciou a respeito dos filmes da Marvel, e sobre o que é cinema. Começou com uma fala de Scorsese inclusive, e então se espalhou por todo o meio cinematográfico, trazendo ao debate grandes nomes como Francis Ford Coppola e Fernando Meirelles. Gostaria de comentar também sobre a diferença entre gosto e qualidade. Gostar de um filme não faz o filme ser bom, assim como o filme ser bom não faz com que todos espectadores gostem. Tendo isso em consideração, vamos à crítica.
(ALERTA SPOILERS)
O Irlandês conta a história real de Frank Sheeran, conhecido por "O Irlandês". Frank é um caminhoneiro que acaba se envolvendo com a máfia, mais especialmente com o chefão Russell Bufalino e Jimmy Hoffa, um líder sindical que é preso e acaba causando problemas para os demais. Frank acaba entrando em uma rede de assassinatos, até chegar a um ponto onde não há mais escapatória. Um dos aspectos que mais chama a atenção no filme é sua duração longa, de 3 horas e 29 minutos. O ritmo é bastante lento, o que pode ser algo incômodo para algumas pessoas, mas é necessário para o desenvolvimento narrativo de Scorsese - infelizmente eu fui uma dessas pessoas.
O roteiro é interessante, mas em diversos momentos comete deslizes, tais quais o uso desnecessário de voz em off (numa cena em especial, em que Russell detalha os passos que Frank deve tomar e ao mesmo tempo o vemos executando os comandos) e um excesso de informação e de personagens. É compreensível em parte a situação os personagens, já que se trata de uma história real, mas a primeira metade do filme, ao menos para mim, ficou muito comprometida pelo excesso de introduções de personagens novos. Na segunda metade isso melhora, após Hoffa ser solto e se iniciar o arco de sua busca pela liderança do sindicato, e as eventuais consequências que isso traz aos negócios de Russell. Depois desse momento, o filme parece ganhar uma força, e o ritmo lento ganha um propósito maior. Mesmo assim, após a morte de Hoffa, volta a se estender mais que o necessário. O final em aberto (literalmente), entretanto, vem a calhar, e apesar de causar um estranhamento à primeira vista é um dos aspectos mais interessantes do filme. Creio que a história poderia muito bem ser contada em 2 horas e 55 minutos que manteria sua essência e seria menos cansativo para o espectador.
As atuações são eficientes (com destaque para Robert De Niro), mas não são o ponto forte do filme, e nem de longe são as melhores atuações de nenhum dos atores. O grande mérito de O Irlandês talvez seja a abordagem diversificada da máfia, mais seca e distante. Não vemos aqui grandes cenas de assassinato à la O Poderoso Chefão, algo que me incomodou inicialmente, mas que dentro da lógica de uma nova abordagem faz sentido. A trilha sonora, para mim, é um dos aspectos mais fracos. O problema de ritmo teria sido melhorado quase que na íntegra se houvesse mais músicas, e diferentes temas musicais.
(Crédito: Divulgação - Netflix)
O Irlandês é um filme ousado, ao trazer uma nova roupagem, mais realista, a uma temática tão explorada por tantos cineastas e pelo próprio Scorsese, mas que sofre de problemas de ritmo e alguns deslizes no storytelling.
Agora entramos em um território complicado. Antes de lançar minha nota, nesse filme em particular, acho importante falar sobre a polêmica envolvendo os filmes da Marvel e o conceito de cinema. Afinal, filmes de super-heróis são filmes ou parques de diversão? O cinema comercial é arte? O que vale mais, a qualidade ou o gosto? Por que um precisa necessariamente anular o outro? Acredito que, antes de qualquer coisa, o cinema é entretenimento - nos entretemos vendo um bom filme, com uma história envolvente. Seja o blockbuster do verão, o filme cult ou a comédia romântica da sessão da tarde, todos têm algo em comum: são filmes. Todos têm seu público, e nenhum é superior ou inferior por pertencer a tal gênero ou por ser comercial ou não. Podemos analisar as escolhas narrativas, os aspectos técnicos, as atuações, a direção, mas quem definirá se um filme é bom ou não é o espectador, de acordo com seu gosto.
Menciono isso pois é algo que afeta diretamente minha nota final. Como crítico tenho uma nota, como cinéfilo tenho outra. Em se tratando de qualidade, reconheço que O Irlandês é um filme que traz boas inovações para o gênero, mas como cinéfilo não é um filme que me agradou, mesmo sendo consumidor de filmes cult, independentes e alternativos. Toda experiência é válida, e O Irlandês, mais que qualquer outro filme, é uma experiência. Mas admito que, como experiência, me agradou mais Vingadores: Ultimato, até mesmo Cats.
NOTA: 6 / 10
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