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Cats (2019) - Do palco para a tela

Cats é uma das peças mais famosas de Andrew Lloyd Webber, fazendo parte da tríade clássica da Broadway - junto a O Fantasma da Ópera e Os Miseráveis. Adaptar uma peça musical para o cinema muitas vezes é um desafio, considerando a dinâmica construída no palco, que muitas vezes perde a essência no processo de transposição. Dito isso, vale ressaltar que Cats é uma peça bastante peculiar, e particularmente difícil de se adaptar. Em 1998 houve uma adaptação, quase um teatro filmado, que obteve êxito nessa missão. Será que o longa de Tom Hooper conseguiu o mesmo feito?


(ALERTA SPOILERS)

Pouco pode se dizer sobre a história de Cats. Baseado num livro de poesias infantis de T. S. Elliot, foi adaptado por Lloyd Webber como um musical repleto de números de dança, e com uma nova canção, original de Webber, a clássica Memory. Para o filme, foram feitas algumas mudanças, tais quais a adição de uma história mais concreta e todo um arco narrativo novo, que coloca Victoria como a protagonista ao invés de Munkustrap. Acompanhamos um grupo de gatos da espécie Jellicle, que anualmente organiza um baile (o Jellicle Ball) para decidir qual dos gatos irá para um lugar chamado Heaviside Layer, uma espécie de Céu. Quem faz essa decisão é a Old Deuteronomy, uma gata que viveu diversas vidas e é tida como a líder da tribo. Nesse cenário, uma gata, chamada Victoria, é largada na rua por sua família. Perdida, ela acaba conhecendo a tribo Jellicle, e é introduzida a todo esse universo. Os gatos cantam sobre si para chamarem a atenção de Deuteronomy e serem escolhidos, enquanto são aterrorizados por Macavity, um gato misterioso que parece perseguir os demais.

Tom Hooper dirigiu filmes de grande êxito, como O Discurso do Rei e Os Miseráveis, mas ao contrário de sua adaptação de Miseráveis, aqui ele derrapa em alguns deslizes, que não necessariamente anulam o filme, mas podem afastar muitos espectadores. O principal defeito de Cats é o CGI, que assim como a montagem, foi feito às pressas para manter a data de estreia - ou seja, os efeitos especiais vistos em tela estão literalmente não finalizados. Assim, o rosto e as mãos de alguns atores acabaram se mantendo "humanos", o que tornou ainda mais assustadoras as figuras Jellicle. Desde o começo a técnica proposta por Hooper era um desafio arriscado, e como era de se imaginar, acabou caindo no que chamamos de "vale da estranheza"- quando formas humanas (ou no caso gatos humanoides) feitas em computador parecem muito com seres humanos mas não são idênticas, causando estranheza e repulsa. Exemplos disso são o Escorpião Rei em O Retorno da Múmia e a animação O Expresso Polar.

Para além dos efeitos especiais, Cats é uma adaptação relativamente consistente. O roteiro acerta o tom na narrativa, mantendo a essência abstrata da peça e apresentando uma história consistente e minimamente compreensível. Colocar Victoria como protagonista foi uma sacada muito boa, e  transformar Macavity em um personagem mais vilanesco também. A trilha sonora soube modernizar os clássicos de Lloyd Webber, com exceção de algumas canções, que sofreram alterações de ritmo que me desagradaram. O elenco é bastante funcional, mesclando atores veteranos e iniciantes, com destaque para Francesca Hayward como Victoria e Jennifer Hudson como Grizabella. A dinâmica das duas funciona muito bem, e tanto a canção nova de Victoria, Beautiful Ghosts, quanto Memory são os momentos mais emocionantes e bem conduzidos do filme.

(Crédito: Divulgação - Universal Pictures)

O ritmo do filme é bom. Isso é mérito não apenas do roteiro e das atuações, mas especialmente da direção, que conseguiu driblar os diversos problemas e trouxe a atmosfera imersiva que há na peça da Broadway. Todas essas qualidades, entretanto, acabam ficando em segundo plano diante dos efeitos especiais, que independentemente de estarem concluídos ou não, não são bons, criando momentos toscos e até assustadores. O número de Rebel Wilson, por exemplo, que apresenta baratas e ratos humanoides, ou o Macavity de Idris Elba sem o casaco, que dá a impressão de que ele está nu, e não que é um gato.

É particularmente difícil para mim criticar Cats ou qualquer musical, pois musical é meu gênero predileto, e Lloyd Webber é um dos meus artistas preferidos. O filme, entretanto, está longe de  ser perfeito, e não chega perto do status da peça, mas ao menos para mim, conseguiu traduzir a essência da obra original de Webber, e acrescentou detalhes interessantes que somente agregaram ao universo proposto. Life to the everlasting cat!

NOTA: 5 / 10

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