Há algo dentro de mim, que eu não sei o que é, que me persegue. Uma espécie de solidão. Os prazeres mundanos não me atingem. Eles me entretêm, mas se vão tão rápido quanto acontecem. É engraçado pensar nisso, o quanto nossa percepção de tempo muda de acordo com o que sentimos, né? Se fôssemos contar um minuto, duraria uma eternidade, não? Para mim ao menos sim.
Era assim na feira. Eu não fazia nada demais, queria estar longe dali. Não importa onde fosse, qualquer lugar era melhor. Tanta energia reprimida em um simples ato de… carregar. Já não bastava as cargas que a vida me jogava? Minha esposa lutando para sobreviver, meus filhos me perguntando por que não nos mudávamos mesmo com a casa caindo aos pedaços - e não conseguia explicar. Infelizmente a realidade não é como os contos de fadas que eles liam. Não precisava nem ser uma mansão, não gosto de ostentações. Mas minha vida mal podia ser chamada de vida, estava longe de ser decente. Minha esposa dizia que iria ficar tudo bem, que Deus iria nos proteger, que iríamos dar uma volta por cima, que o dinheiro iria entrar, que a situação iria melhorar, bastava aguentar um pouco mais… Nessas horas eu confirmo minha teoria de que o tempo funciona diferente para cada um. Se você ler isso, amor, me desculpe pelo que vou dizer, mas não era só um pouco mais. Um pouco mais era tempo demais para mim.
Foi covardia? Não sei. Irresponsabilidade? Provavelmente, ao menos na minha cabeça. Mas ela não entenderia, quem dirá meus filhos. Que crianças de 5 e 7 anos irão entender economia, desigualdade social e, mais que isso, medo da morte? Dito isso, a decisão foi tomada. Deixei a vida me levar. De repente me via, após o serviço, naquele bom e velho bar carregado de memórias, o Vinte de Novembro. Não foi ali que conheci minha Elizabete? Talvez. Eram tempos mais simples de fato, quem dera pudessem voltar. O que havia restado era o balcão de madeira coberto por cupins, as mesas dispostas caoticamente, os convidativos estranhos a dançar e as bebidas que não envelhecem. Quisera eu ser uma garrafa de vodka, a vida seria tão mais simples… Já que não posso ser uma, eu bebo. E bebo. E bebo de novo. Nós não tínhamos dinheiro, mas naquela noite eu tinha. Naquele momento todas memórias vieram à minha cabeça.
Uma estranha virou minha esposa, e eu dançava alegremente. Não precisaria voltar para a feira mais, chega de carregar fosse o que fosse. Era apenas eu e minha imaginação dançando de mãos dadas, enquanto o mundo desaparecia. Aqueles estranhos me aplaudiam. Isso me fazia feliz. Eu cantava. Eu dançava. Eu bebia. E cantava, e dançava, e bebia, e cantava - nada podia me parar, nem a morte! Um minuto durava uma hora. Seria o momento mais feliz da minha vida? É engraçado, mas talvez. Na verdade, um fenômeno raro na natureza aconteceu: o tempo congelou. Até que de repente descongelou.
Era uma noite fria, e o bar fechou. Meus espectadores cheios de vida foram para suas casas, e levaram consigo minha energia. Não os culpo, de maneira nenhuma, já que não havia muito que pudesse fazer. Eu estava lá, bêbado, triste e sem vontade de voltar para casa. Nunca fui muito uma pessoa noturna, mas a noite parecia me chamar, e eu, com um raro pingo de alegria, ouvi a noite. Caminhei umas tantas milhas - agora um minuto durava uma hora. Foi então que cheguei na Lagoa, a mesma na qual minha Elizabete falou que estava grávida. Na época havia vibrado de alegria. Quem dera tivesse um décimo dessa alegria agora. Mesmo assim, uma força interior me consumiu e meu corpo se mexeu, fazendo uma estranha e melancólica dança. Eu estava… feliz? Não, acho que não. Triste? Provavelmente, mas é mais que isso. Talvez eu só tivesse aceitado a realidade finalmente. E a visão daquele lago à noite era muito tentadora.
Minha Elizabete chorou. Meus filhos choraram. Quando eles pensam em mim, um minuto dura uma hora. Para mim, dura uma eternidade.
Baseado livremente no poema "Poema tirado de uma notícia de jornal", por Manuel Bandeira
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