Pular para o conteúdo principal

O cinema da nostalgia

Aos poucos a vida está voltando, e um certo movimento tem chamado a atenção no meio audiovisual, especialmente nas produções hollywoodianas. Vem de antes do começo da pandemia, mas parece ter se intensificado bastante, ainda mais quando se mostrou lucrativo: o apelo à nostalgia, geralmente através do retorno de atores do passado de uma franquia. Isso, associado ao crescimento de uma ideia de "multiverso"e "variantes" (muito proliferadas pelos filmes de super-herói), tem criado um novo modo de fazer filme.

O passado é sempre tentador, ainda mais quando estamos fechados em casa 24 horas por dia. Nós não temos para onde ir, e acabamos, inevitavelmente, nos lembrando de tudo que passou, das pessoas que passaram por nossa vida até então. Sejam lembranças boas ou ruins. Mas o tempo não parou, a vida continua, e precisamos tentar viver da maneira mais segura possível. Isso inclui, para roteiristas e escritores audiovisuais de modo geral, ter que adaptar seus roteiros para a nova realidade, que não permite aglomerações e grandes eventos. Mas não só nesse sentido - reflexões e confrontos emocionais implicam em mudanças profundas. É daí que surge uma força narrativa, que já vinha crescendo, mas que é então acelerada. Bem, essa não é nossa realidade mais, mas foi até há pouco tempo atrás. Cuidados são sim necessários, mas gradualmente está sendo possível uma flexibilização maior de modo geral. Após dois anos em casa e três doses de vacina, o contato humano está voltando; junto dele as produções audiovisuais. E é no mínimo curioso notar como a maioria das grandes franquias estão se apoiando nessa força narrativa: o passado.

O exemplo maior disso é Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, um dos maiores sucessos comerciais dos últimos tempos que se sustenta com os dois pés nas franquias anteriores do personagem. Doutor Estranho no Multiverso da Loucura resgatará personagens do passado da Marvel. The Flash trará vários personagens de linhas temporais diferentes, incluindo o Batman do Michael Keaton e do Ben Affleck. Mulher Maravilha 3 provavelmente contará com a Linda Carter. Jurassic World: Domínio também traz o retorno dos personagens clássicos do primeiro Jurassic Park. O mesmo se nota nas franquias de terror, com cada vez mais atores dos primeiros capítulos retornando - vide a recente "continuação" de Massacre da Serra Elétrica. Após os incontáveis remakes e reboots, filmes ou franquias antigas estão sendo desenterradas para novos capítulos muitos anos depois (Matrix, Top Gun, Um Príncipe em Nova York e por aí vai). Não só no cinema. Com cada vez mais serviços de streaming, séries como ICarly ganham continuidade. É evidente que isso pode estar associado também a uma falta de criatividade na indústria, mas de qualquer maneira, é notável como o passado está presente no audiovisual de 2022.


(O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface. Créditos: Divulgação - Netflix)


E é no mínimo peculiar como esse movimento criativo casa quase que perfeitamente com o momento que vivemos. Será um efeito da quarentena no nosso processo de storytelling?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Thunderbolts* salvou minha vida

Nunca achei que diria isso, mas obrigada, Marvel Studios. Thunderbolts* (destaque para o asterisco, é essencial), bem resumidamente, traz figuras em segundo plano no grande espectro do MCU se unindo e formando uma equipe improvável, de anti-heróis e vigilantes com um passado conturbado e que, sem exceção, lidam com problemas familiares, pessoais e de saúde mental. Na verdade, é um filme sobre saúde mental, vindo da Marvel Studios. Coisa que nem no cenário mais otimista imaginaria, especialmente vindo após o horror que foi Capitão Falcão vs Harrison Ford Vermelho (desculpa, Sam Wilson, torço que você tenha um arco de redenção no futuro com filmes melhores). Dessa maneira, eu, muito mais alinhada ao DCU do James Gunn ultimamente, e cética com o trabalho da Disney com esse multiverso compartilhado, decido assistir à nova produção capitalista da Marvel Studios. E quem diria... mudou minha vida? Crédito: Divulgação - The Walt Disney Company (Alerta de spoilers) Entremos no filme. Como retra...

Reals?

Quantas vezes você acessa o Instagram em um dia? Como se sente postando e rolando os infinitos stories? E quando seu post não recebe a quantidade de likes que você desejava, como você se sente? Em um dia em que a Wi-Fi cai, como você lida? Se você não consegue postar aquela foto que quer tanto, ou atrasa, qual o sentimento? Qual o real valor do seu reels? Quantas perguntas mais para traduzir o fluxo de informação da Internet hoje em dia? Voltemos um pouco. Há décadas atrás, as gerações agora mais antigas viviam sem computador, celular, redes sociais, IAs, nada das inúmeras facilidades que a Internet nos proporciona hoje em dia. A comunicação, assim como muitos aspectos da sociedade, evoluiu muito com o passar do tempo. Não necessitamos mais (necessariamente) mandar cartas para nos comunicarmos com nossos amigos, temos o WhatsApp e o Instagram. Vinis, fitas VHS e até CDs e DVDs já caíram em desuso. A tecnologia nos proporciona facilidades como os streamings - para que ir no cinema se po...

O Cadáver da Inteligência Artificial (uma entrevista com o ChatGPT)

Nós vivemos em um tempo de avanço de tecnologias e novas maneiras de enxergar o mundo. O fluxo de informações nunca esteve tão acelerado, com diversas redes sociais que demandam um imediatismo absurdo, e conteúdos de segundos que, cada vez mais, reduzem nossa tolerância e paciência. O que é considerado devagar e cansativo, hoje, cada vez se torna mais curto - a "tiktokização" do pensamento já tornou vídeos de 5 minutos ou até mesmo algumas páginas de um livro algo de difícil consumo, taxado de "chato". Nós estamos nos acomodando na automação de tudo, e o resultado disso é uma geração que tem dificuldade até em escrever a própria assinatura. Nesse contexto, uma ferramenta em particular emerge mais que nunca: a inteligência artificial. Em voga especialmente devido à uma controversa trend envolvendo o Studio Ghibli, o debate sobre artes de IA serem arte, a ética acerca de produtos gerados por ferramentas como ChatGPT, aflora. Ainda assim, precisamos olhar para isso com...