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Rocky Horror Picture Show e o gozo

(Crédito: Divulgação - 20th Century Studios)

go.zo (ô) sm.
1. Ato de gozar; prazer, satisfação.
2. Posse ou uso dalguma coisa de que advêm satisfação e/ou vantagens.
3Bras. Prazer sexual. 

[Pl.: gozos (ô).]


Precisamos gozar mais.

O gozo está muito associado ao ato sexual. Isso vem muito de uma visão pornográfica da realidade, uma visão imaginária e distorcida, na qual o prazer provém da penetração e do poder - uma construção puramente falocêntrica. Há, também, uma heteronormatividade avassaladora, que afeta não somente quem foge à esta "norma", também as próprias pessoas heterossexuais. É uma cultura tóxica que não faz bem à ninguém, ainda que iluda alguns. Hoje em dia há uma busca maior pela desconstrução desses valores, mas em 1973 era diferente, quando Richard O'Brien estreou sua peça Rocky Horror Picture Show no West End, bem como sua adaptação para os cinemas em 1975. A obra de O'Brien fala sobre terror, ficção científica - uma grande homenagem a estes gêneros - e sexualidade. Traz ao mesmo tempo um hino do amor conservador (Dammit, Janet) e uma ode à revolução sexual (Floorshow).

Brad e Janet estão felizes. Ou acham que estão. Como dito pelo Criminologista (um narrador à la Contos da Cripta), é "uma noite que eles irão se lembrar por muito tempo"; noite esta permeada por referências ao gênero terror. Há o pneu que estoura, o castelo assombrado, elementos estéticos que complementam a transformação sexual dos dois - afinal, acessar essa parte nossa pode ser um tanto quanto assustador inicialmente. Dentro do castelo assombrado dos dois habita uma figura misteriosa, perigosa, excitante e andrógina, o icônico Dr. Frank N Furter. Frank se revela como uma travesti alienígena, uma representação muito forte da visão que o mundo tinha acerca das travestis e da comunidade LGBTQIA+. É Furter que irá gradualmente puxar o tapete do casal, mostrando as fragilidades que ambos tinham em relação à própria sexualidade. Assim como os espectadores.

Frank N Furter é a representação da busca pelo gozo. Quantas pessoas com pênis ejaculam sem sentir um real prazer? Quantas pessoas com vagina têm dificuldade em ter ou nunca tiveram um orgasmo? Quantas pessoas, independente de seu órgão genital, vivem uma vida monótona e transmitem isso para o ato sexual? E o mais importante: quantas pessoas se encaixam nestas categorias mas negam veementemente? Brad e Janet são duas delas. A trilha empolgante e as extravagâncias de Furter os guiam, assim como nos guiam, à icônica cena do Floorshow - uma catarse sexual para todos envolvidos. O tão desejado orgasmo.

Só que o orgasmo é interrompido. No caso, são Magenta e Riff Raff, também parte do grupo de Frank N Furter, que querem voltar para sua terra natal e questionam a ousadia de Frank. Sim, há o contexto da ficção cientítica, a camada superficial da narrativa; mas o plano dos dois pode significar duas coisas, ambas com algo em comum: a sociedade. Pode-se enxergar tanto como uma repressão da sociedade à comunidade LGBTQIA+ quanto como uma "repreensão" da própria comunidade. Afinal, se hoje é difícil, naquela época era muito mais difícil ser queer, e assumir a própria identidade era um risco de vida. Ainda é. E não são todos que estão dispostos a tal.

Quem nunca questionou sua sexualidade? É algo muito comum e natural que aconteça, especialmente na adolescência e na juventude, muitas vezes revelando que não somos o que pensamos que somos. O que a sociedade nos impõe que sejamos. Sendo assim, Rocky Horror Picture Show é uma obra que atinge fundo quem a assiste, revelando os Brads e as Janets da vida real, que clamam ser inocentes e heterossexuais mas escondem uma libido reprimida e se sentem atraídos por Frank N Furter. São pessoas que têm sua vida e se relacionam com outras, mas no fim das contas, acabam se esquecendo do mais importante: gozar.

Nossos protagonistas, que começaram jurando seu amor em uma igreja, acabam a história em meio à destroços, vestindo meia calça e espartilho. O que acontece depois, é algo que cabe a eles. Como nós ficamos? O que iremos fazer? Bom, independente destas respostas, nós somos formiguinhas em uma imensidão, buscando um sentido para a vida. Insetos rastejando no planeta Terra, perdidos no tempo e no espaço.


Letterboxd: Lucas Noronha

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