O ano mal começou e já vimos um marco histórico acontecer: Parasita, produção sul-coreana, ganhou os prêmios de Melhor Filme Internacional, Melhor Roteiro, Melhor Direção e Melhor Filme das mãos da Academia. É a primeira vez que um filme estrangeiro ganha o Oscar - e diga-se de passagem, uma das primeiras em que o melhor filme do ano realmente ganha o prêmio. Além de ser uma obra maravilhosa em todos sentidos, o filme de Bong Joon Ho já se tornou um clássico por trazer uma visibilidade maior aos filmes estrangeiros, geralmente deixados de lado perante o cinema norteamericano. Como dito pelo diretor em seu discurso de vitória do Globo de Ouro:
"Quando vocês superarem as barreiras de filmes com legendas, conhecerão muitos filmes incríveis"
O resultado foi que multidões correram para os cinemas para assistir a Parasita, que é um dos filmes que permaneceu em cartaz por mais tempo nos últimos anos, ou deveria dizer, na última década. Mas será que as pessoas realmente entenderam o que Bong quis dizer?
Indo além de Parasita, na própria edição de 2020 do Academy Awards, vários ótimos filmes estrangeiros foram indicados, filmes estes que não tiveram tanto reconhecimento quanto mereciam. Trago como exemplo Corpus Christi, meu segundo preferido dos indicados a Melhor Filme Internacional, que é um filme polonês que discute tabus religiosos e traz questionamentos relacionados inclusive à história da Polônia. Podemos voltar mais atrás, aos pré-indicados de cada país, e às demais premiações, como o Globo de Ouro. Filmes como Retrato de uma Jovem em Chamas, que ficaram de fora da premiação da Academia, são filmes maravilhosos e mais pessoas deveriam conhecer e assistir. Me remete também às premiações do ano de 2018, que contaram com filmes como Em Pedaços (Alemanha), Corpo e Alma (Hungria) e The Square (Suécia).
Parasita é de fato um filme excepcional, mas será que as pessoas vão se limitar a Parasita ou vão expandir sua visão de cinema, como Bong Joon Ho se referiu, "superar as barreiras das legendas"? Pensando nisso, resolvi iniciar um quadro aqui no blog onde irei trazer filmes de nacionalidades diversificadas, obras-primas que merecem ser assistidas por todos e reconhecidas. Iniciando com um dos clássicos do polêmico diretor japonês Takashi Miike, o filme que tornou seu nome famoso.
Audition (1999)
No Brasil esse filme foi pessimamente traduzido para O Teste Decisivo. Conta a história de Shigeharu Aoyama, um viúvo que, alguns anos após a morte da esposa, pensa em se casar novamente. Um amigo o convence e o ajuda a organizar uma falsa audição para um filme de mentira, cujo único intuito é fazer com que Aoyama conheça a "candidata" perfeita para se casar com ele. Uma delas é Asami Yamazaki, uma jovem tímida e misteriosa que automaticamente o atrai. Ela parece cair perfeitamente no jogo de Aoyama, só que o quanto mais se conhecem, mais ele descobre os segredos sombrios do passado de Asami, e ela se revela ser uma pessoa completamente diferente.
(ALERTA SPOILERS)
O ritmo inicial do filme é bastante lento, com tomadas longas e fixas, o que pode desinteressar alguns dos espectadores. Tal ritmo, entretanto, é importante para estabelecer o tom do filme e elaborar os personagens e situações. O trabalho de luz é excepcional, do começo ao final. Tudo relacionado a Asami ganha tons azulados e cores frias, enquanto Aoyama tem tons avermelhados e cores quentes. É visível particularmente nas cenas em que os dois estão juntos e nas fantasias de Aoyama, bem como quando há flashbacks do passado de Asami.
(Crédito: Divulgação - Omega Project)
A marca registrada de Miike é a violência (não à toa ele é uma das grandes influências de Quentin Tarantino e Eli Roth), e nesse filme ele trabalha perfeitamente com esse elemento. Diferentemente de Ichi The Killer, que viria alguns anos depois, a violência aqui é bem mais dosada, mas não menos impactante. Ele constrói o filme em dois atos: o primeiro funciona quase como uma história de romance, até que Asami desaparece. Nesse ponto o filme toma ares de suspense psicológico, até, na sequência final, trazer a tão comentada cena de tortura, na qual vemos a maestria de Takashi Miike na direção. É angustiante ver o que se passa na tela (especialmente as agulhas nos olhos), mas a história é tão bem construída que nos prende.
Audition fala, primordialmente, sobre solidão. Pode ser visto como uma grande analogia ao amor moderno e aos relacionamentos. O quanto nos entregamos ao outro sem saber se teremos a mesma entrega do outro lado. Na minha opinião, o filme também trouxe uma perspectiva (seria uma crítica?) ao controle que há dentro de uma relação, o quão possessiva pode se tornar. Tanto na situação da audição - o casamento como um "contrato" - quanto na obsessão de Asami, que para ter controle de Aoyama precisa cortar seus pés fora, para que ele não ande por conta própria. Tal situação remete inclusive a Louca Obsessão, de 1990. Há ainda uma mensagem de liberdade feminina, quando Asami se vinga do homem que a maltrata - seja ele o padrasto, o chefe ou o amante.
"Eu me inscrevi para a audição, e eu fui a mais sortuda. Porque eu não me tornei apenas a heroína do filme. Mas me tornei a heroína real." (Crédito: Divulgação - Omega Project)
Ainda assim, a mensagem mais forte do filme, para mim, veio da relação dos dois. Asami é uma personagem com um passado bastante conturbado, e que viveu sozinha a vida inteira. Ninguém nunca a compreendeu. Apesar de tudo, no fundo, bem no fundo (literalmente), ele foi o único que a compreendeu; mas o amor obsessivo acabou matando os dois no final.
NOTA: 8 / 10
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